ALGUNS ASPECTOS METODOLÓGICOS E DIDÁTICOS NO ENSINO DE LITERATURA

Por Cristiano Mello de Oliveira

Iniciamos o nosso artigo com algumas inquietações motivadoras: Quais são as formas didáticas e metodológicas aplicadas pelo docente durante o ensino de Literatura na Educação Básica? É por meio desta questão e de outras que movimentaremos o nosso raciocínio e fio condutor.

Didática e metodologia são estratégias educacionais bastante ensaboadas e espinhosas, todavia, não podemos jamais polariza-las diante de uma discussão excludente. Ambas influenciam num melhor patamar de ensino na educação básica – em especial, estratégias ligadas à formação do leitor literário. Saber conjugá-las ao nosso favor não é tarefa fácil, e mesmo que consiga quase sempre uma ficará em maior detrimento do que a outra. Dizem as más línguas que quando temos didática nos falta à metodologia ou quando temos metodologia nos falta à didática. É necessário trabalhar as duas – com vistas ao melhor encaminhamento pedagógico, seja ele numa instituição particular ou pública. Unir nem sempre é tarefa fácil, pois muitos professores ainda são resistentes a algumas mudanças de caráter pedagógico. Enquanto a primeira dita às regras de como você transmitirá um determinado conteúdo; a outra indica a maneira ou a melhor estratégia metodológica que será utilizada para ensinar este mesmo conteúdo. 

            Para ilustrarmos melhor, tomamos como exemplo o romance picaresco Memórias de um Sargento de Milícias, do escritor Manuel Antônio de Almeida. Nesta narrativa seminal para a escola literária do romantismo brasileiro, o docente de literatura poderá realizar preliminarmente um fichamento da obra junto aos alunos. O interessante didático deste romance é que ele possui uma linguagem sarcástica e irreverente – ganhando a simpatia de muitos alunos facilmente.

Por meio de uma espécie de decomposição dos aspectos narrativos estruturais (enredo, tipo de narrador, personagens, espaço, trama etc), o aluno terá noção de como a obra foi estabelecida pelo autor. Ao que tudo indica e conforme já alertou parte da crítica, este romance exige um leitor familiarizado com o contexto histórico da cidade do Rio de Janeiro. Dessa forma, o professor deve sintonizar o seu aluno – frisando o ensino contextual ligado ao enredo. Acontecimentos históricos que circunscrevem a obra (chegada da família real portuguesa no Rio, formação da primeira polícia no Brasil, política do favor, dentre outros eventos) devem partir para uma análise crítica – interrogando como alguns eventos puderam modificar as ações das variadas personagens. 

Se ensinar literatura exige ao menos um método plausível, podemos questionar: qual seria o método ideal? Como podemos aplicar este método sem deixarmos a aula monótona ou refém de algum didatismo rançoso? Será que existe uma receita? As perguntas aqui não podem soar apenas de forma retórica, mas fazer refletirmos como isso pode ser melhorado dia após dia. Como reza a lenda, é mais fácil levantarmos muitas perguntas do que darmos as consequentes respostas. Podemos acreditar na crença que o principal anseio está na constante inovação do docente, visando plena capacitação para o trabalho com as obras e os autores. Inovação esta que se desdobra numa atitude progressista e não conservadora, visando alcançar níveis de interpretação plural e diverso. Ou seja, não atrelado ao apelo por ideologias e fora dos fundamentalismos político e religioso. A censura do pensamento e da capacidade de formarmos alunos críticos vai de encontro com os direitos fundamentais garantidos pela Constituição do Brasil.

Não devemos nos furtar que para falarmos de métodos é necessário consultar a obra (já citada neste livro) Ensino de Literatura (2009), do autor William Roberto Cereja. Nesta, o autor disserta sobre a dificuldade da escolha de alguns métodos já utilizados por alguns docentes e pesquisadores. Quanto aos modelos, o autor cita três: “transmissivo”; “construtivista”; “sociointeracionista”. Perceba que cada um desses modelos possui uma didática a ser montada pelo próprio docente. Para o autor, além disso, existem outras escolhas que podem configurar melhor essa prática: “recorte de autores”; “ponto de partida de trabalho”.

Desse modo, o autor também elucida quais seriam os autores ou estilos de época por onde começar. De acordo com Cereja (2009), tais métodos apresentam vantagens e desvantagens, cabendo ao docente verificar o que seja mais vantajoso para a escola e ao projeto político pedagógico. Para explicitar melhor o seu raciocínio, ele delineia algumas hipóteses seguidas por alguns docentes e pesquisadores. Resolvemos ilustrar e acrescentar tais ideias (metodológicas e didáticas) por meio de uma tabela para que o leitor possa verificar melhor tais propostas delineadas por Cereja: 

Hipótese metodológica Método Ação metodológica Dificuldades Exemplos em sala de aula Formato didático
Organizar o curso em grandes unidades temáticas A partir de cada uma delas, abrir um grande leque de leituras.   Confrontar autores e gêneros. Reside na falta de domínio, por parte do aluno (de um conhecimento a respeito do autor, do movimento literário e da época que o texto foi produzido).   Abordagem do tema amor nas várias épocas da literatura brasileira (incluindo tipos de textos em verso e/ou prosa).  Trabalhar os textos em oposição um ao outro, flagrando diferenças e semelhanças entre eles. 
Organizar o curso em torno dos grandes gêneros literários.  Relacionar os diferentes gêneros (romance, novela, tragédia, fábula, epopeia e a crônica).  Relacionar e associar com o contexto social e cultural de cada um.  Distanciamento histórico entre os gêneros, linguagem pouco acessível e temas pouco interessante para o jovem de hoje.  Estudo da evolução do gênero romance romântico para o romance realista-naturalista, o romance pré-modernista e modernista.  Criar sequências didáticas, de modo a adequar os gêneros e suas especificidades à realidade da sala de aula: a idade e o perfil do aluno, o tempo escolar, o interesse maior ou menor por determinados g6eneros. 
Organizar a disciplina de literatura de forma diacrônica.  Utilizar da sequência histórica (estilos de época) como ponto de partida.  Estabelecer relações e cruzamentos com outros períodos da literatura e da cultura.   Há o problema de lidar com textos bastante antigos, de sintaxe e léxico arcaicos, distanciados do jovem de 15 anos que ingressa no Ensino Médio.  Estudo dos textos do trovadorismo português até Camões, autor do clássico Os Lusíadas.   O autor Cereja não chega a propor uma proposta didática, mas cabe você leitor tentar descobrir ou aperfeiçoar. 

 Fonte: CEREJA, William. Ensino de Literatura. São Paulo: Saraiva, 2009 (Adaptado por Cristiano Mello de Oliveira).  

Como podemos perceber, é lógico que o autor não está disposto na criação de uma receita pronta e acabado. Cada docente de literatura terá o livre arbítrio (de acordo com a sua experiência em sala de aula, assim como as exigências curriculares) de recriar, desdobrar e reinventar tais procedimentos, visando atender da melhor forma suas necessidades metodológicas com as turmas. Isso também dependerá bastante das competências que ele deseja atingir com as turmas. Não por acaso que o parâmetro utilizado por Cereja também é passível de questionamento e crítica, pois parte de uma formulação de hipóteses, sem que elas tenham sido devidamente aplicadas. Ao que tudo indica, cada professor deve ter a sua fórmula própria metodológica – ou seja, uma espécie de voz didática. Desse modo, o que parece exigir é uma sintonia e uma espécie de imersão no trato com o fenômeno literário – compreendendo suas dificuldades e facilidades.     

As sugestões didáticas e metodológicas não param por aí e nem possuem aspecto exaustivo. Em termos gerais, o trabalho metodológico e didático com a literatura em sala de aula pode ser variado e diverso – ampliando o leque de conhecimento do aluno a respeito da composição da obra. Se tomássemos como parâmetro o gênero do romance histórico, o professor de Literatura Brasileira do Ensino Médio poderá aplicar uma leitura dramatizada do romance A República dos Bugres (1999) do escritor Ruy Tapioca focalizando os principais fragmentos que evidenciem alguns eventos históricos, a saber: a chegada da Família Real portuguesa em 1808, a Independência do Brasil em 1822, a Guerra do Paraguai (1865-1870) e a passagem política do regime imperial para o republicano em 1889. Através da escolha desses excertos o corpo discente poderá criar uma peça de teatro, envolvendo encenações que contemplem a temática escolhida. A montagem do figurino, cenário, roteiro, corrobora para contemplar o aspecto lúdico do aprendizado.

Outra sugestão metodológica importante é o trabalho didático feito entre a literatura e o cinema. A ideia não é simplesmente comparar um romance com um filme adaptado, mas tentar provocar no aluno o que pode ser recortado (linguagem, cenário, tipos de personagens) para uma possível análise. Nesse caso, o professor de Literatura poderá solicitar uma atividade interdisciplinar junto aos alunos do Ensino Médio, em especial aos alunos do Terceiro Ano. A título de ilustração metodológica, a prática em sala de aula seria o trabalho com algumas questões entre o romance A República (1999) e os filmes Independência ou Morte (1971), do cineasta Carlos Coimbra e o filme Carlota Joaquina, a Rainha Devassa (1994), de Carla Camurati. Outro modelo inspirador também pode ser usado pelo professor como, por exemplo, a série televisiva da Rede Globo, O Quinto dos Infernos (2002), também poderá ser alusivamente trabalhada. Já o romance Conspiração Barroca (2008) o docente também poderá aludir a livros como O romanceiro da Inconfidência (1992), da romancista Cecília Meirelles, o romance Os inconfidentes (1966) do escritor João Alves Borges também faz alusão a esse mesmo período; o livro O rio do tempo: o romance do Aleijadinho (1972) do escritor Hernani Donato.

                Sem sombra de dúvidas que o professor experiente terá melhor tratamento didático com o ensino da literatura. Digamos experiente a modelo de um contumaz leitor, o qual encara a obra com carinho e satisfação. Conforme defende o autor Vicent Jouve: “As emoções estão de fato na base do princípio da identificação, motor essencial da leitura de ficção.” (JOUVE, 2012, p. 19). Este mesmo professor deve ser um amante das artes em geral, tendo o dever de unir a paixão pelas artes plásticas, visitação a diferentes museus, a possibilidade de viajar com frequência, de trocar ideias com os pares, de realizar cursos e apresentar artigos e conferências em congressos. Devido à escassez de dinheiro e o tempo tomado por inúmeras tarefas, sabemos que não é exatamente esta a realidade de muitos professores. Ao ter o conteúdo necessário para compreender o fenômeno literário – no contraste dos períodos históricos, escolas de época, manifestações artísticas -, certamente, ele terá a capacidade de alcançar uma metodologia eficaz.    

Em linhas finais, é comum verificarmos que existem muitas queixas por parte do professorado brasileiro de literatura de que o trato com o texto literário tem se resumido aos moldes tradicionais de ensino. Estudar a literatura como algo sincrônico, subordinado às escolas literárias, aos movimentos históricos é quase sempre fator didático considerado passivamente por muitos professores. Para que haja uma mudança, o professor deve interrogar os métodos didáticos já propostos e inserir a sua voz autoral. Advogamos que a disciplina de literatura não pode ficar apenas refém do livro didático, pois este deve ser uma ferramenta. Buscar apresentar a obra atrelada aos anseios da historiografia resulta quase sempre em conteúdos decorados e com sentido artificial. Boa parte das vezes os livros didáticos entregues pelo Ministério da Educação apresentam trechos de obras, ou seja, o conteúdo fica condicionado à leitura esparsa e instantânea. Não à toa que muitos livros didáticos seguem a receita básica do não questionamento a esse tipo de metodologia e didática.  A melhor receita ainda é: ler a obra na íntegra – tomando notas, esboçando o seu formato, realizando esquemas e compartilhando experiências de leituras com outros leitores. 

REFERÊNCIAS

CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura. Uma proposta dialógica para o trabalho com literatura. São Paulo: Saraiva, 2009. 

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