
Por Cristiano Mello de Oliveira
Você, estudante, amante da leitura já deve ter ficado horas e horas ou simplesmente passou a noite inteira para terminar aquele romance tão interessante, não foi? Ou, qual é o sentimento de lembrar-se da obra de ficção que você leu pela primeira vez e tentou recontá-la a um amigo de infância? Podemos calcular que no perpassar das páginas noite adentro você tanto se encantou pelo enredo, personagens ou espaço representado, assim como os conflitos, situação esta que fez com que você mal levantasse para ir ao banheiro ou beber um copo de água. Desse modo, ler com a finalidade de se encantar com o enredo, o narrador, o espaço e as personagens de um romance é de fundamental importância ao suposto decálogo de um bom leitor. Sabemos que não podemos explicar tal decálogo neste momento, por se tratar de algo supostamente engessado, mas compreendermos que a situação de um bom leitor se faz muito pela curiosidade e parcimônia.
Como já frisamos ler textos literários pode ser tão gratificante para construirmos uma personalidade mais humanística, situação esta que muitos jovens leitores são capazes de largar o videogame ou simplesmente os jogos de futebol de rua para lerem dias e dias. Ao compararmos a vida de alguns personagens emblemáticas da Literatura Brasileira – Bentinho, Diadorim, Leonardinho Pataca, Policarpo Quaresma, Quincas Borba, dentre outros – somos capazes de reproduzirmos tais experiências na própria vida real. É de hábito bastante comum que ao seguirmos os passos dessas personagens, verificamos hábitos, atitudes e costumes para agregarmos às nossas ou simplesmente imitarmos. Ao mantermos o nosso interesse “[…] pelo destino das personagens, ao confrontá-lo com situações inéditas, [o leitor] modificará seu olhar sobre as coisas.” (JOUVE, 2002, p. 108). Portanto, é com quase certeza que agimos por imitação da vida artística – a arte imita a vida e vice-versa, como muitos costumam dizer.
Embora muitos leitores consigam falar dos livros que não leram ou sequer passaram os olhos, a construção de um bom leitor não se oferta de forma momentânea; tampouco com prazos específicos: requer muita paciência e força de vontade. A leitura como função ligada ao sublime e ao bem-estar pessoal requer nada menos que uma atitude desinteressada. “É só nas leituras desinteressadas que pode acontecer deparar-se com aquele que se torna o seu livro”. (CALVINO, 2002, p. 13). Para fins de ilustração, o poeta paulista Mário de Andrade, autor de Macunaíma, sempre pregou pelo não utilitarismo das artes. Em outras palavras, a arte literária ou as outras manifestações artísticas são produções sem função utilitária aparente. Em linhas gerais, quem busca objetividade ou função na arte acaba se tornando um sujeito frustrado e automaticamente ignorante. O homem sensível busca na arte uma espécie de renovação ou escapismo à realidade vigente. Tal fuga se constitui uma espécie de desapego ligado ao utilitarismo e ao consumismo tão celebrados na sociedade capitalista.
É importante também frisarmos que a fruição nem sempre pode ser condicionada ao esteticismo ou ao belo. Basicamente são situações diferenciadas e opostas. Cabe lembrar que a fruição também pode ser construída pelo gosto ou hábito comum aos livros de terror ou do universo fantástico no qual o lastro estético passe bem longe. É a partir daí que o leitor se torna uma pessoa devidamente preparada (nesse caso madura como receptor de obras artísticas) para conseguir atingir diversos níveis de leitura. Para fins de exemplificação, muitos leitores que leram o romance O Processo, do escritor tcheco Franz Kafka e tiveram uma espécie de repulsa por não acreditarem que um sujeito comum tenha sido transformado num inseto – neste caso foi uma barata. Algo extraordinário para um leitor não maduro pode causar tamanha estranheza, assim como os visitantes das galerias em Paris (na metade do século XIX) observavam os quadros expostos dos impressionistas.
“Ao ler, estou abrindo uma porta entre meu mundo e o mundo do outro. O sentido do texto só se completa quando esse trânsito se efetiva, quando se faz a passagem de sentidos entre um e outro.” (COSSON, 2005, p. ). Com esta frase emblemática, o crítico Rildo Cosson deixa nítido que o fenômeno literário é capaz de funcionar como um espelho, cujo reflexo amplia e desencadeia um conjunto de sentimentos no leitor mais sensível. Igualmente, o que nos revela o autor é o sentimento de alteridade no qual o leitor possivelmente assimila – identificando no outro uma suposta diferença; esta se complementa pela diferença de personalidade do leitor. Flertando um pouco com a questão da fruição ou da apreciação por algo estético e romântico, o prazer do texto, tomando de empréstimo o título do livro do autor francês Roland Barthes ocorre quando sentimos a necessidade de aprofundarmos a nossa condição de existência humana.
A bem da verdade, a formação do educando se dá pela quantidade e a qualidade das obras literárias lidas ao redor de sua vida escolar e acadêmica. Quem consegue transitar facilmente por obras literárias distintas através do uso de diversos gêneros, também terá maior facilidade de tecer comparações e realizar juízos argumentativos. Dessa forma, a estratégia de um bom leitor é tentar realizar conexões com a sua experiência cotidiana – situação na qual a vida real é a mais rica e pertinente. Quem viaja bastante com certeza tem mais facilidade para ler determinadas obras literárias, pois já visitou outras cidades as quais serviram de espaço geográfico para muitos enredos. Curiosamente o leitor que já foi à Itália e visitou a região da Sicília (e percorreu o território citadino local) se sentirá mais confortável ao ler o clássico romance italiano O leopardo, do escritor Tomasi di Lampedusa. Para formar um bom leitor depende muito do incentivo pedagógico que cada professor oferece. É por meio da bagagem de leituras de algumas obras que o leitor amplia o leque de experiência – deixando de lado muitos preconceitos advindos de uma leitura rasa e inócua.
É possível também dissertarmos que leitores em formação são sujeitos mais propícios ao aprendizado de línguas não maternas. Línguas são aperfeiçoadas e colocadas em prática no sentido que elas podem usufruir – sem a necessidade de uma suposta fruição estética. Conforme advoga o autor Vincent Jouve: “Elas são também objetos de linguagem que – pelo fato de exprimirem uma cultura, um pensamento e uma relação com o mundo – merecem que nos interessemos por elas.” (JOUVE, 2012, p. 135). Ao lermos frases e diálogos estabelecidos pelo texto literário somos capazes também de imitarmos e simularmos uma determinada situação real. Qual seria o principal motivo ou argumento? A resposta é simples, pois leitores são também bons falantes e oradores – ou seja, cidadãos capazes de intervir na vida cívica – atuante nos diferentes papéis que a sociedade impõe. Portanto, aprender e aperfeiçoar uma determinada língua e compreender as razões do seu funcionamento pode melhorar o nosso desempenho em vários fatores.
A título de exemplificação e ilustração, podemos atestar que muitos leitores aficionados pelos romances do escritor irlandês James Joyce, tenham vasculhado a cidade de Dublin na busca das localidades espaciais visitadas pelos protagonistas ou seus coadjuvantes. personagem principal. Dessa forma, a região irlandesa (da cidade de Dublin), conhecida como Temple Bar (talvez o pub mais antigo da capital), a qual o autor deste livro teve a oportunidade de visitar, é repleta de referências espaciais onde as diversas personagens coadjuvantes perambulam por meio do enredo de Joyce. A paixão pelas personagens, ações e destino dessas é sempre tarefa primordial para aquele ou outro leitor mais fanático. De acordo com Jouve (2002, p. 20) o leitor prende-se a uma personagem, porque observa nela um ato emotivo e fascinante de leitura. Em suma, existem grupos de leitores aficionados pelos seus autores prediletos, cujo mote principal das reuniões é participarem de discussões a respeito da obra.
Em úlima análise, o uso da literatura em sala de aula pode ser um ato digno de ampliar o repertório e o prazer do estudante pela fruição do texto literário. Fruição estética implica em prazer pelo ato sublime, questão nem sempre alcançada facilmente. Por alusão, quando vistamos alguns museus – no Brasil ou na Europa – nos deparamos com grandes obras de arte e, certamente, não podemos ter pressa para usufruir de uma espécie de êxtase catártico. Já imaginou termos pressa para desfrutarmos o ato sublime de vermos à tela da Batalha dos Guararapes, de Victor Meirelles, no Museu de Belas Artes, no Rio de Janeiro ou visualizarmos num piscar de olhos, a obra Monalisa, do gênio Leonardo da Vinci, no Museu do Louvre em Paris? Frente a frente com a tela de pintura do seu artista preferido ou na leitura do seu romancista, o visitante do museu ou o leitor, juntos, ajudam na formulação de um melhor significado às obras. O crítico Tzvetan Todorov (2009, p. 51) assevera que muitos quadros tinham funções diferenciadas nas igrejas e nos palácios antes de serem expostos numa única sala de uma galeria ou museu cuja proposta era para serem apreciados e contemplados.
REFERÊNCIAS
COSSON, Rildo. Letramento Literário. São Paulo: Contexto, 2018.
JOUVE, Vicent. A leitura. São Paulo: Unesp, 2002.
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: Difel, 2019.