Por Cristiano Mello de Oliveira
É possível iniciarmos o nosso raciocínio estabelecendo a seguinte pergunta: o texto literário pode ser interpretado isoladamente, ou será que conseguimos realizar uma abordagem vazia de teoria? A resposta mais cabível e sem corrermos o risco de sermos infelizes é que a literatura não se interpreta por conta própria, e por esse motivo as áreas correlatas às ciências Humanas são devidamente exploradas como chave de leitura de uma obra fictícia. Desse modo, longe de serem apenas formatos retóricos de preenchimentos do texto literário, o campo de análise ligado às Humanas, é o campo mais proeminente para uma profícua análise textual fictícia. Para se ter uma ideia, quando ingressamos nos cursos de mestrado e doutorado em Literatura, é comum também encontrarmos professores de outras áreas convivendo com linhas de pesquisa ligadas ao campo da literatura. Em suma, ao interpretar um texto fictício com as estratégias conceituais formuladas pela área de Humanas, o texto se torna bastante atraente ao aluno, pois ele passa a observar o diálogo que existe em outras áreas.
No entanto, é interessante relatarmos que ainda cabe uma exceção à regra em relação à resposta concedida acima. Uma ressalva interessante é sabermos que a estrutura do texto pode ser fator quase isolado de uma análise de cunho humanística. Quando estamos falando de estrutura, queremos dizer a da narrativa – voltada a defender o texto pelo texto. Ou seja, sua relação intrínseca com a estrutura textual esquematizada figura de estilo e de linguagem, no vocabulário, nas categorias textuais, no formato e na voz autoral, no estilo da obra e da proposta estabelecida pelo autor. Algumas dessas abordagens atestam que o texto antes de tudo é um conjunto de palavras, expressões e frases condizentes à seleção autoral feita pelo escritor. Longe de ser um amontoado de ideias – existe uma organização estrutural. Não queremos simplesmente problematizar, mas pensarmos como a linguagem pode ser um tanto complexa para uma análise simplesmente estrutural. É cabível que a análise estabelecida pelo docente numa turma do terceiro ano do Ensino Médio seja marcante nesse aspecto, devido a uma escolha pessoal e tratativa pela estrutura do texto.
Devemos ter uma visão mais complexa do campo das Humanidades – além das relações com a Literatura – e suas vertentes múltiplas com as obras e os estilos de época. É sabido que praticamente toda a área de formação humana se dá pela capacidade de pensar e questionar a vida como ela se encontra pronta. A crítica busca compreender se há ou não uma crise ligada às Humanidades. A nosso ver, o principal argumento dos governos tecnocráticos (e os de Direita sabem bem o que estão fazendo) é afirmar que muitos cursos na área de Humanas – Filosofia, História, Letras e Artes não possuem uma utilidade prática de imediato. A tão desgastada expressão “mercado de trabalho”, vangloriada pelas leis de mercado e o neoliberalismo achatam o olhar dos cursos ligados às Humanas. Como o lucro não ocorre de imediato o conhecimento das Humanas acaba não servindo para nada. Portanto, a principal discussão está diretamente ligada ao investimento financeiro que esses cursos devem ter, pois o retorno, conforme reivindicam alguns países, é considerado escasso e inoperante no regime do ácido capitalismo.
É bastante convincente afirmarmos que para muitos pesquisadores vinculados às Ciências Humanas (História, Artes, Filosofia, História, Antropologia, Geografia, entre outras) faz-se necessário manter a vigilância de que as disciplinas se relacionam e conseguem manter um formato interdisciplinar, bem conceituado na contemporaneidade. “Todas as ciências do homem, inclusive a História, estão contaminadas umas pelas outras. Falam a mesma linguagem ou podem falá-la” (BRAUDEL, 2009, p. 54). Por esse motivo e outros é possível atestarmos que muitos profissionais ainda são ligados à área de Ciências Humanas – e não raro usam e abusam de citações literárias para compor os seus compêndios. No campo da História, por exemplo, é fácil identificarmos várias alusões ao suporte literário como fator exemplificativo. Em outras palavras, o pesquisador no campo de História busca no artefato literário o documento que ele não encontrou para justificar e respaldar o seu argumento. Portanto, tanto a História como a Literatura são disciplinas que participam de um amplo concurso cognitivo cujo teor pode ser explicado pelo uso das Ciências Humanas nos seus currículos.
Em linhas gerais e para finalizarmos o nosso debate, no trato interdisciplinar entre a Literatura e a História (na grande área de Ciências Humanas), temos historiadores brasileiros, como é o caso de Nicolau Sevcenko e Sidney Chalhoub, tomando de empréstimo trechos literários para compor seus ensaios históricos. O primeiro, Literatura como Missão (1985) terá como fonte criativa a leitura de escritores como Euclides da Cunha e Lima Barreto, rastreando as principais circunstâncias históricas do crescimento urbano da cidade do Rio de Janeiro. Já o segundo, temos a obra Machado de Assis Historiador (2003), em que o autor faz uma interpretação histórica dos romances machadianos (Helena, Iaiá Garcia, Memórias Póstumas de Brás Cubas) para comprovar alguns motes investigativos, advogando que o escritor carioca reescreve a História nacional. São eles: o período de hegemonia do Projeto Saquarema, o Debate sobre a Lei do Ventre Livre, a Questão da Escravidão. Neste último mote, curiosamente, o autor refuta a tese do crítico Roberto Schwarz, segundo a qual os romances de Machado não possuíam uma vertente escravagista.
REFERÊNCIAS
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 2009.