Por Cristiano Mello de Oliveira
Podemos começar esta seção com o devido questionamento: como avaliar um aluno leitor de literatura? Ou, se for o caso, como avaliá-lo como não leitor de literatura? Perceba que o tom da pergunta se modifica quando dizemos que um aluno é leitor e o outro é um não leitor. A variação para esse tipo de indagação implica diretamente o modelo de avaliação a ser seguido, pois não devemos exigir em excesso dos alunos devido aos diversos tipos de leitores e aprendizagens entre eles. Existem alguns que, mesmo com o incentivo do professor ou com as exigências escolares, não são capazes sequer de tomar frente ao texto literário.
Ler literatura é uma forma de resistência, pois poucos são os que preferem o isolamento do círculo das amizades, o afastamento dos jogos de videogame, das séries das plataformas de streaming. Não estamos querendo dizer que algumas séries e jogos não possam contribuir para uma melhor leitura do texto literário – afinal, jogos e séries tam bém adaptam textos literários –, mas atestar que a tradição da leitura da palavra impressa pode estar quase em extinção caso não tenhamos algum tipo de resistência. Infelizmente, a literatura concorre com os meios massivos de comunicação, e é papel do professor buscar cativar o aluno para a leitura. O nosso compromisso, basicamente, não é ape nas avaliar esse aluno, mas tirá-lo do vício da não leitura, dos fatores competitivos que o tiram da literatura de ficção.
Ainda insistindo na variedade de maneiras de aprendizagem dos alunos, o professor provocará – no ato de leitura e, consequente mente, na avaliação de muitos leitores – uma forma mais crítica de questionar o artefato literário. Não é importante que se lembrem os fatos e os acontecimentos relacionados ao enredo, porque esses já são superados e repetidos pelos resenhistas de plantão da internet. Por trás de uma boa formação de um leitor, existe uma preocupação estética ligada ao fazer artístico. A partir daí, a competência mais interessante a ser exigida é o diálogo com o sublime e com a fruição do texto, uma questão de alteridade durante a leitura, assim como o confronto amigável com o estranhamento e a pluralidade de pensa mentos.
Consideramos que ambas devem percorrer o raciocínio de uma boa forma avaliativa no campo dos estudos literários. Não por acaso, os regulamentos educacionais batem na mesma tecla do tão cobrado posicionamento do leitor frente à obra de arte, no caso o fenômeno da literatura. Caso desejemos saber e interrogar, uma pergunta mais ampla pode ser “o que a obra causou ou provocou em você?”, e não uma questão mais simplória e talvez mesquinha como “o que você entendeu da leitura deste romance?”, ou até mesmo o famoso questionamento sobre o que o autor quis dizer na obra.
Reforçando o nosso argumento, na formação de leitores críticos, é importante uma avaliação menos objetiva e mais dissertativa. A defesa de um argumento e o levantamento de hipóteses são fatores indispensáveis na formação e na avaliação de bons leitores. A res posta dada à pergunta deve ser mais problemática do que assertiva. Portanto, o diálogo com a bagagem de vida do aluno também se faz operante. Existem leitores que possuem afinidade com textos literários que trazem como temas conteúdos policiais. Assim, supo nhamos que você, professor, tenha trabalhado contos marginais de autores inseridos no eixo Rio-São Paulo. Se eu peço para que o meu aluno do ensino médio disserte sobre o conceito de malandragem nos contos marginais do livro Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), do escritor João Antônio, é possível que ele verifique não somente o conceito, mas qual foi a dimensão criativa do autor durante o período de produção da obra. Em outros termos, o conceito deve permanecer relativamente datado e contextualizado em relação ao processo de formulação do romance ou do conto.
Por mais que reivindiquemos uma abordagem avaliativa mais subs tancial e menos objetiva, parece que os velhos programas de vesti bulares ainda buscam provar o conhecimento do leitor com base em questões de múltipla escolha, situação na qual a competência exigida é apenas memorizar o conteúdo proposto pelo professor. Por uma vi são global, a avaliação em literatura ainda insiste em manter uma aula transmissiva e não dialógica, fazendo do aluno uma simples tábula rasa de armazenamento de conteúdos curriculares.
Ainda existe a crença de que, memorizando algo relacionado à vida do autor, as circunstâncias ligadas ao enredo e à escola literária, assim como as vanguardas artísticas que superam umas às outras, o aluno é capaz de provar suas competências cognitivas.
Algumas considerações do autor William Cereja (2005, p. 54) nos ajudam no apoio de tal argumento:
Depois de anos de estudo de literatura, os jovens brasileiros deixam o ensino médio sem terem desenvolvido suficiente mente certas habilidades básicas de análise e interpretação de textos literários, tais como levantamento de hipóteses interpretativas; rastreamento de pistas ou marcas textuais; reconhecimento de recursos estilísticos e de sua função semântico-expressiva; relações entre a forma e conteúdo do texto; relações entre os elementos internos e os elementos externos (do contexto sócio-histórico) do texto; relações entre o texto e outros textos, no âmbito da tradição; relações entre texto verbal e texto não verbal; etc (CEREJA, 2005, p. 54).
As palavras do autor Cereja parecem entrar em sintonia com o resto da comunidade dos professores de Letras Brasil afora. O que está em jogo não é o desfazer da didática de muitos professores, mas alertar que, considerando a realidade da educação, cabe a nós, avaliadores, simular uma melhor forma de trabalho com os alunos. Nesse sentido, é na checagem desses protocolos – ocasionalmente já desgastados e em total desuso – que o docente pode apresentar contra-argumentos ao seu favor. Portanto, é tendo clareza sobre a origem dos problemas avaliativos que a proposta de ensino será ao menos uma solução plausível e coerente. É por meio das habilidades básicas estabelecidas que supostamente formamos um leitor mais competente e crítico.
REFERÊNCIAS
CEREJA, W. R. Ensino de literatura. Uma proposta dialógica para o trabalho com literatura. São Paulo: Saraiva, 2009.