CONCEPÇÕES DE LITERATURA ONTEM E HOJE.

 

Por Cristiano Mello de Oliveira

Se o leitor deste artigo resolvesse realizar uma pesquisa – numa biblioteca pública ou universitária especializada – sobre a terminologia da palavra literatura e suas modificações em dicionários de termos literários, certamente encontraria diferentes significados ligados a contextos diversos. Diferentemente do que o senso comum está acostumado a dizer: literatura é a arte da palavra impressa ou é uma forma de elaborar textos imaginários, o certo é que esta problematização se encontra longe de ser devidamente respondida. O ponto de partida é dizer que tais significados se juntariam a perguntas compostas; estas de matizes filosóficos, políticos e históricos: o que você entende por literatura ontem e hoje? Como ela pode modificar o sentido da vida? Como o leitor pode usufruir do texto literário e colocar em prática a sua sensibilidade estética? Como podemos observar tais questões não nascem por acaso, nem são oriundas de um simples movimento aleatório, mas são criadas devido à bagagem de informações já adquiridas por você estudante. 

Se encarássemos o conceito de literatura apenas como obras de ficção, coincidentemente cairíamos numa outra cilada: qual nacionalidade ou língua você busca? Ou seja, seria mais conveniente utilizarmos a palavra “literatura” no plural, pois existem diversos autores e nacionalidades para decifrarmos junto a diferenciados contextos culturais. Se eu digo que sou especialista em literatura, alguém ouse a questionar que tipo de literatura ou qual autor e nação tenho me preocupado nos últimos anos como estudioso do tema. Num lastro mínimo de tempo depois é capaz de alguém também ousar a problematizar que se trate de um conhecimento infinito devido à grande quantidade de títulos e autores. Na ocasião, é melhor calcularmos quais são os parâmetros para identificar tal obra literária: nacionalidade, sexo e bagagem cultural do autor, cultura local ou língua utilizada. Portanto, ter noção de algumas informações preliminares pode ser fator excludente no trato com o significado da palavra literatura.   

Imaginemos a seguinte condição hipotética: quando adentramos numa grande biblioteca pública muitas vezes perguntamos aos funcionários: qual é a estante de literatura? E o atendente responde, indagando: que tipo de literatura o senhor procura? Caso seja um autor estrangeiro: em que língua o senhor deseja? Por mais que saibamos o título do romance, da coletânea de contos ou de crônicas, do ensaio literário do autor preferido, da antologia poética a qual desejamos procurar, uma boa sugestão de localização ou até mesmo o diálogo com alguém responsável pela biblioteca fará enorme diferença. Lembremos que auxiliares de biblioteca ou bibliotecários são pessoas na maior parte das vezes envolvidas com a orientação de novos leitores, em especial àqueles que realizam perguntas básicas. É quase certeza que eles estarão aptos a serem questionados. Dessa forma, seguir as orientações desse profissional pode nos ajudar a reconhecer as diferentes categorias de leitura, classificação de gêneros, ficha de informações e demais informações correlatas.  

Dar conta dessas variadas questões acima não é simplesmente “tapar os olhos” ou acreditar que o bibliotecário deseje problematizar o nosso questionamento, mas atestar que a identificação exata da palavra “literatura” não é um campo pouco afeito a algumas polêmicas. Basta verificarmos a quantidade de ramificações desenvolvidas nos últimos tempos: literatura portuguesa, literatura inglesa, literatura espanhola, literatura russa, literatura colombiana, literatura francesa apenas para citarmos algumas nações e as principais línguas envolvidas. Imagine então quantas estantes teremos, caso a palavra literatura seja usada de forma genérica? Para ilustrarmos melhor: no conto “A biblioteca de Babel”, do escritor portenho Jorge Luís Borges, o leitor se envolve (em termos fictícios) ao verificar que a imensa biblioteca (da qual o próprio escritor foi diretor por um longo período de tempo) não pode ser resumida a apenas um tipo de literatura. Cabe lembrar que Borges não poupava referências extraliterárias para compor criativamente os seus textos, ou seja, a interdisciplinaridade sempre foi uma mola propulsora na sua ficção. (Antropologia, Religião, Sociologia, Filosofia, Artes etc).  

 Comprovação certeira a este tipo de assertiva é que o próprio valor etimológico do vocábulo “literatura” possui vertentes idiomáticas em diferentes tons e nuances, de acordo com cada nacionalidade e cultura. Um simples folhear de páginas nos dicionários de algumas línguas, o pesquisador ou um simples curioso no assunto encontrará: literature, em inglês; literatura, em alemão; littérature, em francês; letteratura, em italiano; literatura, em espanhol. Resumindo que: são todas palavras provenientes do latim litterae, que, por sua vez, é utilizado para designar signo ou letra, escrita ou, simplesmente, a palavra alfabeto, cujo significado também abrange de forma ampla a palavra cultura e registro. Portanto, mesmo com as diversas cargas semânticas direcionadas, a palavra literatura ganhou espaço na cultura ocidental ao longo das décadas. 

Se formos alongar a lista de locuções linguísticas cujo conteúdo alude à carga semântica da palavra “literatura”, também teríamos variadas composições elocutórias. Boa parte dessas possui filiação ao gosto e ao afeto pela palavra escrita, sendo esta de natureza poética. De acordo com o Dicionário Auxiliar de Composição Literária (2006), temos, a saber: “Respeitante à literatura”; “Homem versado em literatura”; “letrado”; “Profissional da literatura”; “Pessoa que cultiva a literatura”; “beletrista”; Associação literária”; “Assembleia literária”; “Produção literária ou artística”, não encerrando a longa lista. Por um viés paralelo, é possível também apresentar as correlações adjetivas das quais  acabam sendo rotuladas e delimitadas ao objeto ou ao respectivo fenômeno literário. São elas: “clássica”; “moderna”; “contemporânea”; “histórica”; “científica”; “agradável”; “vulgar ou barata”, dentre outras. Em suma, se delimitarmos a carga de sentidos o qual a literatura abrange, também estaremos cercando os principais fenômenos dos quais ela pode nos proporcionar. 

Escrever de forma pomposa ou não, o certo é que boa literatura não depende apenas desse aspecto apontado acima. Não à toa é comum declamarmos que muitos leitores não usufruem do conforto estético da leitura, pois colocam a culpa na própria utilidade da literatura de ficção. Ora, nem sempre a literatura impõe uma leitura interessada em termos de utilização pragmática. Existe por trás do texto literário: o gozo e o encantamento pelo sublime e o estético. Para o crítico búlgaro Tzvetan Todorov “a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras formas de concebê-lo e organizá-lo.” (TODOROV, 2009, p. 23). Nem sempre tudo na vida, fazemos em função de uma utilidade, pois a funcionalidade (se é que existe) da arte é também despertar uma melhor consciência das ações praticadas em nossas vidas. Poderíamos registrar a seguinte indagação: é possível fazer com que a literatura se torne útil e ao mesmo tempo prazerosa em relação ao sublime e ao estético? “Quando uma obra literária exerce com êxito a sua função, os dois fatores referidos – prazer e utilidade – devem não só coexistir, mas fundir-se.” (WELLEK; WARREN, 2001, p. 33). 

Ao lermos Shakespeare ou Machado de Assis, ganhamos aprendizagem humanista, espiritual e filosófica contida em várias décadas de vida. Ler literatura implica em observar a vida de forma desinteressada e não utilitária, significa também identificar que a linguagem literária não está sozinha, ela interpreta a realidade e, consequentemente, representa a vida diária. Ao usufruirmos do fenômeno literário – situação bastante corriqueira aos adeptos da leitura e das questões sensíveis – nos tornamos sujeitos humanizados. Não por acaso o sentimento do outro passa também a me pertencer e o leitor passa a ser uma espécie de solucionador de algum tipo de conflito. Por meio da literatura, aprendemos como era o estilo de vida naquele período, tanto em Londres como no Rio de Janeiro. A literatura humaniza o escritor e também o leitor, pois eles passam a manter certa relação de cumplicidade. Conforme novamente as palavras do crítico Tzvetan Todorov: “Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à vocação de ser humano.” (TODOROV, 2009, p. 24). 

Resumidamente poderíamos diante da citação de Todorov dizer que a literatura também influencia nossa capacidade de aprimorarmos o elaborar da sensibilidade humana. Caso resolvêssemos ler um livro de Lima Barreto, escritor carioca e modernista, autor do clássico Triste Fim de Policarpo Quaresma, acompanharíamos melhor a natureza política da cidade do Rio de Janeiro no início da Belle Époque (assim como as reformas urbanísticas do prefeito Pereira Passos); já se lemos as obras de João do Rio, autor de diversas crônicas sobre a cidade do Rio de Janeiro também aprimoramos o nosso senso de visão geográfica sobre as ruas da capital fluminense; se lemos o autor paranaense Dalton Trevisan, certamente, conjugaremos um novo olhar sobre os costumes e hábitos das famílias da cidade de Curitiba. Portanto, a literatura pode facilmente aguçar o nosso conhecimento empírico de mundo e fazermos experimentar outras experiências às quais não teríamos tempo suficiente devido à brevidade de nossa existência.      

 Partindo desse pressuposto, é importante sublinhar que a literatura condiciona certo conhecimento de mundo. Ler ficção literária, se assim podemos nomear, traz referências de práticas culturais e folclóricas, simbólicas e espirituais trabalhadas por diversos autores. “Toda leitura interage com a cultura e os esquemas dominantes de uma determinada época.” (JOUVE, 2002, p. 22). Veja como podemos atestar o funcionamento das coisas espirituais pouco trabalhadas por algumas autoridades no assunto. Por tais razões é comum que questionemos os motivos do sucesso de vendas os livros de Paulo Coelho frente aos outros escritores da literatura brasileira. Dessa forma, temas ligados ao esoterismo e as coisas sobrenaturais podem fazer melhor efeito e funcionamento quando são exploradas pelo teor do fenômeno literário. De fato, o autor de O Alquimista, conseguiu atingir uma fórmula para cativar muitos leitores, situação a qual muitos escritores não conseguiram.   

REFERÊNCIAS 

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2015.

BAYARD, Pierre. Como falar dos livros que não lemos. São Paulo: Objetiva, 2009. 

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Cia das Letras, 2002. 

COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009.

EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 

JOUVE, Vicent. A leitura. São Paulo: Unesp, 2002. 

______. Por que estudar literatura? São Paulo: Parábola, 2012. 

SAMOYAULT, Tiphane. A intertextualidade. 

TZVETAN, Todorov. A literatura em perigo. São Paulo: Difel, 2009. 

ZACHARIAS, Manif. Dicionário Auxiliar de Composição Literária. Florianópolis: Garapuvu, 2006.   

WELLEK, René; WARREN, Austin.  Teoria da Literatura. Lisboa: Biblioteca Universitária, 2001. 

 

 

 

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