O ENSINO DE LITERATURA – A VALORIZAÇÃO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA E DA INDÍGENA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Por Cristiano Mello de Oliveira

Ser negro ou indígena no Brasil não é tarefa tão fácil, pois ainda carregamos muito dos preconceitos arraigados numa sociedade inserida no contexto terrível da escravidão. Devido à nossa tardia abolição da escravatura e dos moldes trabalhistas forçados durante o início do século XX (pois os negros foram libertos, mas não estavam devidamente habilitados para exercer uma profissão digna), ainda estamos diante de um verdadeiro dilema que se anuncia no meio brasileiro contemporâneo. Ainda estamos devidamente atrasados para lidar com tais questões. Desse modo, as políticas públicas efetuadas a favor das minorias – tanto as do índio como as do negro – são cada vez mais essenciais à igualdade na cidadania. É na consideração que somos um país diverso e bastante desigual, que saberemos como lidar com os parâmetros proporcionais de diferença racial. Embora ainda estejamos caminhando a passos lentos, é possível afirmarmos que no meio cultural e artístico, estamos levantando algumas bandeiras a respeito da valorização cultural dedicada às minorias.    

Décadas e décadas de história do Brasil, a figura do negro foi sempre tratada pelo autoritarismo, pelo sentimento de desprezo e descaso. Inegavelmente que somos tributários do patrimônio cultural do africano e do indígena, por isso e outros diversos motivos, é que devemos valorizá-los da melhor forma coerente possível. “A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política”. (2005, p. 16). Sabemos que por meio da colonização forçada do europeu, indígenas e negros foram populações forçadas ao trabalho manual e escravo durante décadas. De certa forma, o nosso imaginário social ainda se volta a tratar a figura do negro como ser preguiçoso ao trabalho, situação esta que tem se transformado ao longo dos últimos anos. É por meio do ensino de Literatura e História que podemos enquanto professores recontar alguns episódios de outra forma, ou seja, não repetindo fórmulas dicotômicas já conhecidas: colonizador e colonizado, senhor e escravo. Em suma, faz-se necessário contar a narrativa pelo olhar dos vencidos, àqueles que supostamente foram esquecidos e marginalizados. 

Faz-se importante que as Instituições escolares vinculadas às secretárias de estado de educação de cada estado da nação brasileira estimulem e criem expectativas para o ensino da literatura e da cultura afro-brasileira e africana. “O ensino sistemático de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, nos termos da Lei 10639/2003, refere-se, em especial, aos componentes curriculares de Educação Artística, Literatura e História do Brasil”. (2005, p. 32). Datas festivas e tópicos comemorativos buscam celebrar e reforçar a importância do papel do negro na sociedade brasileira. Por esse motivo e outros, professores buscam conscientizar vários estudantes na busca de um melhor aprendizado inclusivo. Nessas ocasiões, trabalhos de pesquisa e feiras de ciência promovem a discussão do papel dessas culturas como forma de repensar o Brasil contemporâneo. Desse modo, é operante que todo professor de Literatura, História e Artes possa abordar temas ligados ao comportamento do negro na sociedade branca. Em sintonia com a legislação vigente, fazer diluir e ao mesmo tempo disseminar esses anseios ajuda a reerguer o conceito do que é ser brasileiro. Portanto, o esforço precisa chegar conjuntamente, buscando atestar que a sociedade brasileira ainda possui uma divida forte com a escravidão e os movimentos negros espalhados pelo Brasil afora.    

Se “naturalizar a desigualdade”, nas palavras da antropóloga Lilia Schwarz é uma expressão motora para que os governos autoritários refaçam a lógica da “manutenção do poder”; o papel do professor de Literatura é inverter essa lógica para o reconhecimento das minorias. A par dessa situação, o maior problema é que no Brasil existe um grande fosso entre o que é registrado nos documentos e nos anais da História para uma possível situação na prática. E isso, fatalmente, ocorre com o universo das minorias: os negros e os índios. Políticas públicas como as cotas dos negros e índios nas universidades públicas angariam uma maior igualdade, pois, como sabemos, eles precisam seguir suas vidas assim como os brancos também seguiram. A equidade somente funciona quando temos condições iguais para permanecemos com as chances iguais junto a um determinado contexto. Em suma, por mais que tenhamos um diálogo forçado de fingirmos que praticamos as políticas públicas necessárias, é interessante rompermos como esse mascaramento funciona. 

Conforme muitos leitores experientes sabem, desde os primeiros romances publicados, a galeria das minorias (pobres, negros e indígenas) na literatura brasileira é quase sempre representada de forma audaciosa e problemática. Longe de exemplificarmos quase todas, é necessário saber como podemos trabalhar algumas para repetir a mesma estratégia com as outras. A título de ilustração, temos a personagem Macunaíma do romance homônimo de Mário de Andrade; a protagonista Oribela, da obra Desmundo, de Ana Miranda; a figura de Zé-do-Burro, do clássico O pagador de promessas, de Dias Gomes; do rude personagem Fabiano, de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, dentre muitos outros. Faz-se indispensável sabermos que a representação dos excluídos atingiu várias escolas literárias – sendo que no romance brasileiro do século XX foi uma constante figuração. Desse modo, cabe ao professor de Literatura explorar devidamente algumas temáticas minoritárias e marginais – dando fôlego às ações praticadas e como estas funcionam como fator motor à narrativa. Portanto, longe de ser uma tendência literária pouco avessa aos moldes de uma literatura apenas tendenciosa, cabe também ao aluno ter o devido interesse e maturidade de explorá-la por meio de outros aspectos interpretativos.   

Em última análise, valorizar as culturas do negro e a do indígena significa explorar temas literários que busquem uma maior efetividade de representação desses estereótipos durante o desenvolvimento da narrativa. “Reconhecer exige a valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, sua cultura e história.” (2005, p. 12). Esse papel não pode ser minado por um superficialismo latente – mas deve existir um compromisso por parte do docente. Já é sabido que o grande propagador da representação do índio na Literatura Brasileira do século XIX foi o escritor cearense José de Alencar. Nascido em Mecejana (interior do estado do Ceará), filho de um conceituado político de carreira, Alencar escreveu a tríade de romances de linhagem indianista O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874). Naquele período de escrita e publicação, o fator comum aos moldes dos escritos da valorização do índio: era contracenar a realidade exuberante da flora e da fauna – remetendo novos ventos ao imaginário brasileiro. Custe ao que custar o cenário era mitológico, promotor das belezas naturais do Brasil. De fato, ele foi um romancista inserido no século XIX que batalhou pelo forjamento de uma realidade nacional de forma viva e rigorosa, mantendo o ranço nacionalista, justificado pela cor local e o cariz etnográfico de época, e, foi por esta razão, que muitos leitores tiveram acesso a esse momento narrado na pena de José de Alencar. 

REFERÊNCIAS

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA. Secretaria Especial de Política da Igualdade Racial. Brasília-DF: MEC, 2005. 

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