A FIGURAÇÃO DO ESPAÇO NO NOVO ROMANCE HISTÓRICO

Por Cristiano Mello de Oliveira

A criação do espaço histórico no romance de natureza histórica passa pelo crivo da pesquisa e da investigação. Quando um autor decide criar uma atmosfera historicista, normalmente, ele folheia livros, compêndios, fotografias de época, buscando uma autenticidade verista. Do ponto de vista conteudista, é por meio da pesquisa investigativa que ele recomporá os componentes descritivos da História do período figurado. Para aguçar esse senso estético e sublime (e ao mesmo tempo inspirado pelo apoio do referencial externo), ele descreve com base nas leituras feitas – e das fotos observadas. De fato, isso acaba sugerindo um leitor medianamente preparado com os pormenores de época. Ao remontar e endossar o passado, por meio do questionamento das fontes, o romancista acaba adquirindo a simpatia estética dos seus pares. Isso ocorre porque a narrativa necessita de um fundo de verdade, sendo ela basicamente tributária de um senso de realidade, ou seja, ela alcança uma espécie de compromisso com a cor local. Outrossim, podemos partir da hipótese de que o romancista é um detetive de arquivos. Em outras palavras, ele atua na conjunção da arte literária atrelada à memória urbana estabelecida. Não à toa, é comum observarmos que muitos escritores busquem experenciar a realidade histórica representada no romance. 

Sobre o aspecto do passado estimulado e recriado pelo romancista histórico, a autora Celia Fernandez Prieto (2003, p. 93) assevera que o pano de fundo é recriado por meio de algumas estratégias de elaboração fictícia. Examinando a produção romanesca histórica europeia, Celia diz que o romancista se preocupa com “[…] el pitoresquismo, el cuidado por el detalhe de época, inclinando-se hacia lo arqueológico”. Por meio desta citação, podemos depreender que os cenários históricos são recompostos gradativamente, sendo, por sinal, um trabalho detalhado, técnico-artístico-cultural e meticuloso. É na montagem desse quebra-cabeças que o romancista manipula os componentes descritivos – dos quais são selecionados objetivando a caracterização dos locais já esquecidos. Em outras palavras, o romancista deve ressuscitar os eventos históricos à maneira de como ele tenha sido naquela época. É uma espécie de trabalho hipotético de recomposição imaginária de uma época que já não temos muita premunição do que tenha ou não existido.

Partindo deste pressuposto, o crítico Miguel Sanches Neto, tece algumas reflexões indispensáveis ao tratamento narrativo do espaço histórico. Durante uma palestra de encerramento do II Seminário de História e Literatura, promovido pelo curso de História da Universidade de São Paulo, ele se posiciona em relação a essa problemática. Por meio de várias anotações esboçadas – funcionando como “coleções de episódios da época” – (informação verbal) [1]Neto revela alguns bastidores da sua produção ficcional histórica. O autor relata a importância das visitas aos locais históricos descritos nos seus romances – em especial, o romance histórico A segunda pátria (2012). Por soma, Neto cita a fase de laboratório da sua criação – a qual funciona como fonte de enriquecimento da leitura – e para isso faz questão de conhecer in lócus o mapa urbano histórico do romance, neste caso o Rio de Janeiro do século XIX. De acordo com o autor, deve haver uma “relação sensorial naquele universo para que ele seja verdadeiro pra mim”.  Por meio do conceito “conexão sensitiva com o espaço”, ele afirma ter feito o mesmo percurso do engenheiro negro Ventura. “Nas palavras de Neto:  “Eu percorri à pé todos os trajetos que a personagem faz – tomando nota na caderneta – então ele sai do Morro da Conceição (no Rio de Janeiro) e vai até à Escola Técnica – hoje a Universidade Federal do Rio de Janeiro (no centro do Rio). Eu peguei o mapa de 1861 (que é ano que se passa a história) – eu percorri e tentei perfazer os trajetos tal como eram aquelas ruas”.     

No universo histórico-geográfico de alguns romancistas históricos é possível notarmos uma forte preocupação pelo detalhamento – fruto de uma experiência passadista carregada de imagens arqueológicas. A título de ilustração, os romances históricos que representaram aspectos do ciclo do ouro nas Minas Gerais nos trazem elementos espaciais interessantes. São emulações carregadas de sentimentalismo nostálgico à época da Inconfidência Mineira. Pensemos nas ruas, vielas, largos, praças, ladeiras, becos das cidades mineiras figurados no romance histórico Conspiração Barroca (2008), do baiano Ruy Reis Tapioca. Assim como Sanches Neto, o autor Tapioca também percorreu muitas cidades, conforme responde em entrevista. Logo nas primeiras páginas da narrativa, temos: “Na sua São José, próximo ao largo do Pestana, havia um retângulo de terra vazio, espremido entre as casas, sítio decretado pestífero pela Coroa”. (TAPIOCA, 2008, p. 14). É possível percebemos como a paisagem das pequenas cidades são brevemente entrevistas, adquirindo um novo olhar e tratamento, salpicadas de elementos poéticos, abastecendo o leitor de um novo olhar nostálgico. Alguns cenários revelam a visão insalubre das péssimas condições de moradia. Por soma, o leitor se transporta para aquela localidade, revisitando lugares históricos sem sair da poltrona de leitura da sua casa. Explicando melhor: a sensação de autenticidade fictícia provoca no leitor um possível interesse de permanecer numa leitura desafiadora e recheada de aprendizagem historicista. Em suma, existe uma consonância imagética que se relaciona com as descrições realistas elaboradas – estabelecendo uma verdadeira cartografia histórica do período representado. 

E, você, já leu algum romance histórico e percebeu que as descrições do cenário de época são detalhadas e pormenorizadas? Comente por aqui! Até o próximo artigo!

[1] Informação fornecida pelo Prof. Dr. Miguel Sanches Neto (UEPG) durante palestra de encerramento do II Seminário de História e Literatura, promovido pelo curso de História da Universidade de São Paulo.

REFERÊNCIAS

NETO, Miguel Sanches. Cerimônia de encerramento do II Seminário de História e Literatura, promovido pelo curso de História da Universidade de São Paulo, Youtube, 26 de outubro de 2021, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_OlGhzEMMMs&t=2419s. Acesso em: 10/04/2022.

OLIVEIRA, Cristiano Mello de. A representação do cenário no Novo Romance Histórico Brasileiro. Uma leitura dos romances A República dos Bugres e Conspiração Barroca, de Ruy Reis Tapioca. Revista Millenium. Instituto Politécnico de Viseu. Viseu, Portugal, 2016.

PRIETO, Célia Fernández. Historia y novela: poética de la novela histórica. 2.ed. Navarra: EUNSA. 2003.

 TAPIOCA, Ruy Reis. A República dos Bugres. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

______. Conspiração Barroca. Portugal: Saída de Emergência, 2008.


[1] Informação fornecida pelo Prof. Dr. Miguel Sanches Neto (UEPG) durante palestra de encerramento do II Seminário de História e Literatura, promovido pelo curso de História da Universidade de São Paulo.

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